segunda-feira, 23 de julho de 2012

Um vício chamado Avenida Brasil

Manhã de quarta-feira. Depois de dois dias, finalmente resolvi buscar meu tênis no sapateiro. Nada de tão grave. A parte da frente do calçado havia descolado e eu não achei necessário descartá-lo. Seria um conserto simples, algo que aquele cara já fizera muito na vida, a contar pelo tempo que o conheço aqui no bairro. Chegando lá, o serviço ainda não estava pronto. O sapateiro me ofereceu um toco de árvore para sentar e aguardar alguns instantes até que ele finalizasse seu trabalho. Ao sentar, fiquei observando o local: uma casa de barro muito suja, dividida entre oficina mecânica e sapataria. Tamancos, sapatos de festa e tênis surrados espalhados pelo espaço onde, tenho certeza, é morada de uma centena de animais diferentes e asquerosos.

A aparência do sapateiro também não era convidativa. Descalço, barrigudo, com um calção que mais parecia um pijama do que uma bermuda para ir ao trabalho, o homem tecia diversos comentários com seus amigos de profissão sobre todos os assuntos possíveis. Família, religião, esporte e, pasmem, novela. Não uma novela qualquer. A febre, a sensação do momento: Avenida Brasil. Chamava o amigo de Tufão, em uma alusão ao personagem interpretado por Murilo Benício (até hoje não entendo se o chamando de craque do futebol ou de corno manso). Apelidava o outro companheiro de trabalho de Leleco, comparando o indivíduo ao personagem mulherengo de Marcos Caruso. Como gosto da novela, acabei entrando na brincadeira, rindo junto com os tais homens rústicos e achando engraçada toda aquela situação.

Ao voltar pra casa, me pus a pensar na influência que essa novela anda tendo em nossas vidas. Antigamente, essas obras de ficção eram coisas para mulher ou gente desocupada. Era extremamente vergonhoso ver um homem falando dos tais romances televisivos. Ainda bem que tudo mudou. A sociedade atual, responsável por igualar homens e mulheres em direitos e deveres, serviu para eliminar tabus e fazer surgir diálogos antes impossíveis, como o supracitado. Novela deixou de ser coisa de salão de beleza de dondoca e passou a ser produto de consumo de todos os gêneros.

Como estudo à noite, nem sempre dá pra acompanhar todos os capítulos de Avenida Brasil, mas, sempre que posso, deixo gravando ou assisto tudo pela internet no outro dia. Tenho amigos que estão vendo a história desde o início porque não puderam acompanhar as primeiras emoções. 90% de minha timeline no Twitter comenta a novela e isso inclui gente que eu nunca pensei que fosse parar uma hora em frente à TV só para acompanhar a tão bem engendrada trama de vingança de autoria de João Emanuel Carneiro.

Avenida Brasil nos seduz. Seduz pelas imagens do Rio de Janeiro, pela trama suburbana a qual vivemos diariamente na vida real, pela família que fala alto, pelo amor possível/impossível dos mocinhos, pelo sentimento de vingança que passa na cabeça de todo ser humano ao ser injustiçado. Aliás, vingança ou justiça? Até que ponto você iria para acertar as contas do passado com gente que não presta? Concordo plenamente com quem diz que deve haver, no mundo das telenovelas, um antes e depois de Avenida Brasil. O #Oioioi do ritmo angolano une milhares de dançarinos amadores brasileiros em frente ao vídeo. Pobre, rico, branco e negro, só pra citar as grandes desigualdades presentes em terras tupiniquins. A Avenida Brasil do título deixou de significar “a marginal que corta boa parte do Rio de Janeiro” para virar um local de reunião dos brasileiros sedentos por boas histórias, que os desopilem da dura realidade de trânsito lotado, dívidas e insegurança.

Novela não é coisa de gente influenciável, alienada ou algo assim. Novela é coisa de brasileiro, de gente que quer torcer por alguém, se apaixonar por algum, se deixar vivenciar aquela história, tal qual se faz em um livro de Dostoiévski, Bukowski ou Carlos Ruiz Zafón. Você sente falta quando acaba, quer um replay e sempre repete que nenhuma outra será igual a que acabou de terminar. Avenida Brasil é um jogo da seleção brasileira em final de Copa do Mundo só que sem a parte do jogo. E a gente fica nervoso, espera os comerciais para ir ao banheiro, falta à faculdade e descobre que verossimilhança é só questão de ponto de vista. Afinal, não tem horas que sua vida parece uma novela, cheia de nós e momentos emocionantes? Se tem, fique certo de apenas uma coisa: é tudo culpa da Rita!

Um mês sem postar nada aqui no blog. Culpa da Rita, certeza!