quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Memórias de um estagiário

Sexta-feira, 14 de agosto de 2015. Último dia de estágio na Defensoria Pública do Estado do Maranhão.

Durante (quase) 2 anos, tive a honra de participar de um seleto grupo de pessoas que escolheram gastar um tempinho de suas vidas para ajudar quem realmente precisa. Pessoas que suam a camisa em prol de uma justiça mais humana, seja lá o que a ideia de justiça signifique. Gente que acorda cedo e vai para o trabalho ajudar aqueles que acordam mais cedo ainda em busca de ajuda. A vida é engraçada. Somos, ao mesmo tempo, protagonistas e coadjuvantes de uma história que nunca termina e sempre reverbera mais adiante na história de alguém.

Ao longo desse tempo, convivi com as mais diferentes pessoas, na Sala mais aconchegante e divertida que eu já pude estar. Ganhei amigos, professores, colegas, exemplos – e até um Irmão meio maluco. Tornei-me mais independente, organizado, disciplinado e finalmente consegui compreender por que caí de paraquedas no curso de Direito aos 45 minutos do segundo tempo lá em 2011.

Vinculado à 4ª Vara de Família, pratiquei o bem sem olhar a quem. Meu pendrive contabiliza agora mais de 1.400 arquivos carregados de lágrimas, sorrisos, desespero, pedidos de socorro, endereços impossíveis de localizar, comunicações Brasil afora, urgência, sabedoria, felicidade... histórias! O Direito, assim como o Magistério, a Medicina, a Arquitetura e as mais variadas profissões, é feito de histórias. Um cotidiano sofrido, de gente como eu e você, com ou sem oportunidades, que escolhe ou não fazer o bem, seja lá o que a ideia de bem signifique.

Aliás, eu tinha de cair numa Vara de Família. Eu precisava ajudar! Filho de mãe solteira, que sempre vivenciou o sofrimento de cuidar de um menor sem o auxílio do pai, cada Ação de Alimentos tinha um gosto especial para mim, já que eu sabia, mais ou menos, o que se passava na vida daquelas crianças. Cada audiência de Divórcio, com as discussões acaloradas e o fim do amor exposto em cima de uma mesa, entre gente estranha e papéis, sintetizava o que eu não quero para a minha vida. De todo modo, os casos que pude acompanhar me ensinaram que o verdadeiro problema do país hoje em dia, pelo menos no âmbito familiar, repousa na falta de diálogo entre os litigantes, reflexo natural da inércia política em criar e aplicar boas políticas de educação em nosso país.

Cotidianamente, aprendi a não confiar em todo mundo. Confirmei a tese do Skank de que tudo tem três lados: o meu, o seu e a realidade. Inventei soluções para problemas bobos, subi e desci 8 lances de escadas várias vezes por dia, vi duas gerações de estagiários, realizei o "treinamento" de alguns deles, fiz amizade com a grande maioria, fui chamado diversas vezes de “doutor” pelos assistidos, ouvi, falei, perdi a paciência, reclamei, cansei, perdoei, duvidei, arrumei, desarrumei, liguei... Aproveitei.

No fim, sem qualquer clichê de autor português ou banda nacional, realmente valeu a pena. Agradeço infinitamente a todos que me proporcionaram dias tão agradáveis: não há bolsa-estágio que pague as boas lembranças que levarei desses (quase) 730 dias. Vocês foram fundamentais na minha história e serão para sempre lembrados. Um dia contarei a meus filhos sobre a Dra. Silvia, o Dr. Francisco, a dona Ierecê, o Sr. Alzemar, a dona Dailma, a dona Bete (e seus filhos), a dona Fernanda (e seus 5 filhos), a dona Maria das Graças e outras tantas figuras que me tornaram mais humano e consciente de que estou no caminho certo em minha jornada. Muito obrigado a todos e até logo. Deus queira que como Defensor Público!


domingo, 1 de fevereiro de 2015

Crise de Identidade Literária

Ultimamente, tenho sofrido uma espécie de crise de identidade literária, algo que não considero como sendo bom ou ruim, apenas perturbador. Aliás, faz-se necessário mencionar: nem tudo que perturba o ser humano é digno de separação no armário das coisas boas e ruins. Essas inquietações são comuns à vida agitada que levamos hoje em dia. Nada que mereça uma crônica como essa. Ou não!

Sempre que vou a uma livraria de São Luís, me pego preso à seguinte dúvida: o que comprar dessa vez? Tenho visto nas redes sociais um alto número de jovens leitores indignados porque possuem 38 livros na fila pra leitura e, não satisfeitos, se põem a comprar mais 13 já que não conseguem resistir à tentação. Confesso que faço parte dessa parcela sedenta por leitura e cada vez mais ocupada. Talvez por isso a minha dúvida persista, meio sem sentido, confesso. O que comprar dessa vez?

É que sempre tem algo bacana escondido por entre os milhares de volumes da seção de Literatura Estrangeira, por exemplo. Gosto de pensar que há um livro especial nos esperando nesses lugares, pronto para ser degustado, como a obra de Julián Carax em ‘A Sombra do Vento’. Você bate o olho e pronto: paixão à primeira vista. A propósito, meu último desses casos de amor foi com ‘A Improvável Jornada de Harold Fry’, que continua esperando o momento certo pra ser lido com todo o afinco que merece.

Mas voltando à minha crise propriamente dita: o que comprar dessa vez? Romance clássico indicado pela namorada, ficção científica que originou o maior sucesso do cinema atualmente, biografia não autorizada daquele político pedante que todo mundo venera e você odeia, história água com açúcar feita pra adolescente chorar, livro para a faculdade? As opções são tantas que você se perde e acaba não levando nada. Também acontece com vocês? E aí? Toda leitura é válida ou só se deve comprar aquilo com o que você se identifica?

Confesso que gosto desses romances adolescentes ‘de menininha’, mas também sou fissurado nas histórias de fantasia do Carlos Ruiz Zafón. Saramago e seu teor político me encantam, e as crônicas brasileiras de outrora também são um prato cheio para o meu ócio literário. Distopias são a forma de escapar desse mundo maluco em direção a um pior ainda. Mas são incríveis! Obras de escritores desconhecidos e encontradas a 10 reais durante as feiras literárias da cidade também sempre têm seu lado bom. E agora?

Sei lá. Sempre que me questionam por que eu gosto de um livro que ninguém leria ou que aquela pessoa específica não leria, respondo com o já manjado ‘toda leitura é válida’. Mas vai além disso, sabe? São tantas histórias fantásticas esperando para serem apreciadas que não vale a pena desperdiçá-las. Algumas menos, outras mais, mas o que importa, de verdade, é não pegar um livro só porque ele é um best seller, mas descobrir o quanto ele é incrível pra você ao final da última página. Aconteceu comigo em ‘A Menina Que Roubava Livros’. E ainda acontecerá muitas vezes.

Queria contar mais experiências literárias por aqui (como a do engarrafamento gigante em que eu estava quando li e imaginei, dentro de um ônibus, toda a cena do capítulo 28 de ‘O Lado Bom da Vida’, aquele em que Pat Peoples narra os ensaios com Tiffany ao som de qualquer música escolhida pelo leitor) e tentar entrar em um consenso na minha cabeça quanto ao próximo livro da lista de espera, mas acho que já basta. Afinal, já deu pra perceber que não tem jeito pra gente: um livro a mais nunca é demais. Até mesmo se ele for um livro de autoajuda...