terça-feira, 30 de novembro de 2010

Sonhos de 22

São Paulo, noite de sexta-feira. Milhares de pessoas saem em busca de diversão. Bares, baladas, noitadas. Do lado esquerdo, um jovem de 15 anos curte sua primeira tragada olhando as jovens de roupa curta dançarem freneticamente. Do outro lado, um casal descobre os prazeres de suas línguas, enquanto seus corpos se entrelaçam ao som de uma batida desconcertante. No meio, bem no meio, está ela. Perdida, no alto de seus quase 30 anos.

Está fora toda noite. Conhece centenas de pessoas e nenhuma faz questão de conhecê-la. Ela se pergunta como chegou a esse ponto e quer saber por que. Sonhava, aos 22, ser bem-sucedida, arranjar um príncipe encantado e estar casada aos 27. Já se passou muito tempo e nada mudou. Tem um bom emprego, mas não é uma carreira. Não é algo que a habilite a falar em futuro estável. E toda vez que pensa nisso, começa a chorar.

É triste, mas é verdade: sua vida já acabou. O que vier depois de agora não é lucro, é consequência. Não há nada a fazer e nem nada a dizer. Até que o homem dos seus sonhos apareça e a carregue nos ombros, muito tempo já vai ter passado. Sem falar que isso parece tão impossível nos dias de hoje.

Dá pra notar aquela feição triste de longe. Todos os seus sonhos se esvaindo como a areia de uma ampulheta a cada rotação. E em seus olhos, aquele olhar. Tudo o que ela quer é um namorado, mas só consegue casos de apenas uma noite. Homens que não ligam de volta, rapazes interessados em mais de uma ao mesmo tempo, jovens. E ela pensa: “Como vim parar aqui? Estou fazendo tudo o que posso!”.

É triste, mas é a pura verdade: a sociedade já a condenou. Não há nada a dizer e nem nada a fazer. Até que o homem dos seus sonhos apareça e a carregue nos ombros, já pode ter sido tarde demais. Se bem que, pensando bem, isso não é tão impossível de acontecer nos dias de hoje!

(Texto escrito à partir da letra traduzida de “22”, da cantora inglesa Lily Allen)

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Ao deus fone de ouvido

Cena típica. Manhã de segunda-feira. Ônibus lotado. Pessoas atrasadas, na iminência de ouvir um reclame estrondoso do chefe abastado. Muitos entram, alguns poucos saem. O espaço onde deveria caber 40 já cabe 65. A senhora gorda reclama do calor. O homem barbudo lê o jornal que estampa a morte de mais um pobre coitado. Ninguém critica. Todos precisam. E eis que entra o único indivíduo capaz de unificar todos os pensamentos ali presentes: o carinha com seu celular tocando música alta.

Geralmente são homens. Ajudantes de pedreiro. Não é desqualificando a classe que, a meu ver, muito colabora para o desenvolvimento desse país, mas é que incomoda. Se você não vai para a escola, curso, faculdade ou trabalho de ônibus, não faz a mínima ideia do que estou falando. Mas tentarei explicar didaticamente. Imagine você com uma baita dor de cabeça, sua irmã mais nova no banco de trás ou sua esposa, se assim for o caso, balbuciando incessantemente um som estridente e irritante, capaz de fazê-lo ligar o carro e preferir Restart àquele barulho.

É mais ou menos assim. Sem falar no gosto musical, que quase sempre é péssimo, daí o motivo pra tanta gente reclamar. Mas não é reclamar imediatamente, dizendo ao rapaz: “Ei, seu moço, desliga isso aí!”. É reclamar na internet, em comunidades e fóruns escusos, ou ao chegar ao trabalho. O fato é que todo frequentador de transporte coletivo já passou por isso, principalmente nos últimos tempos, com a disseminação do celular com MP3.

Nesse momento, entra o salvador da pátria, o objeto que deveria ser mais valioso que a liderança do Big Brother em reta final. Entra em cena o garboso fone de ouvido. Caramba, como seria legal se essas pessoas ouvissem Racionais Mc’s, Claudinho e Buchecha, Aviões do Forró e outras “belezuras” do cancioneiro nacional no conforto de sua particularidade, sem importunar ninguém. Entretanto, parece que o acessório, que SEMPRE vem junto com o aparelho, se perde do dono, que nem liga e continua a perturbar seu semelhante.

Cabe a nós, pobres mortais, sairmos de casa munidos desse objeto redentor. Quando o barulho estiver alto demais, coloquemos o volume do celular no máximo e passemos a molestar nossos tímpanos, de uma maneira gostosa. Não incessantemente, com aquele som estridente e irritante, mas com moderação. Pode ser Leoni, Kings Of Leon, Paramore, Coldplay, Beatles, The Middle East, pode ser o que você quiser.

Lutemos contra esses chatos, mesmo que munidos com a nossa música chata e impopularmente desconhecida pela massa!

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Divino sorriso

Regina Spektor tem razão. “Ninguém ri de Deus em um hospital / Ninguém ri de Deus em uma guerra / Ninguém está rindo de Deus quando está morrendo de fome, congelando ou muito pobre.” Até o indivíduo mais autossuficiente em assuntos religiosos sente a necessidade, mais cedo ou mais tarde, de acreditar em uma força superior a si. Não significa necessariamente ter fé, pois fé está mais ligada ao rotineiro, ao cotidiano, ao ‘acreditar no impossível’. Nesse caso, é puro desespero mesmo.

Quantas vezes não nos vimos pedindo a Deus por uma melhora de vida, uma cura ou um desejo egoísta? E quantas vezes não blasfemamos dizendo que Ele não está nem aí para o que pensamos, sentimos ou queremos? Paciência nessas horas é a última virtude que sonhamos ter. Mas já pensou se Deus nos desse tudo? Não ficaríamos insatisfeitos mesmo assim? Pois é.

“Mas Deus pode ser engraçado”. Naquela coincidência que o fez encontrar a mulher de sua vida, naquele dia em que tudo o que você mais queria era ficar em casa – e não conhecer o dono daquela multinacional, que lhe daria um dos empregos mais cobiçados do mundo -, ou no dia em que seu animal de estimação mexeu tanto no quintal que acabou achando ouro. É o Senhor das coincidências atuando e você rindo da situação.

O fato é que não existe deus bom ou mau. A qualidade de um deus vai de acordo com nossas conveniências. Se ele nos faz algo de bom, ele é bom. Se ele nos faz algo de mau, ele é mau. Simples. E a mais perfeita das injustiças. Reparou como até nossas relações com os deuses estão pautadas pelo egoísmo? Soa como ‘cada um que tem o deus que merece’.

Acredite em um pedaço de madeira, em uma bola furada ou em um semáforo. Pra você, eles podem ser os deuses perfeitos. Não o cobram muito, você pode vê-los, senti-los, falar diretamente com eles. Mas lembre-se de que o pedaço de madeira pode conter farpas e machucá-lo. Perceba que a bola furada está furada e que não serve pra nada. E que o semáforo, apesar de estar lá em cima, ainda o faz parar, refletir e seguir em frente, só que de acordo com um temporizador ou com o fluxo de veículos.

"No one´s laughing at God / We´re all laughing with God."