Algumas pessoas que conheço dizem odiar andar de ônibus. Também pudera. Toda aquela coletividade apertada, os odores desagradáveis, o barulho abafado e o desconforto característico da lotação, que já fazem parte de nossa realidade, chegam a cansar o trabalhador ou o estudante antes mesmo do início de sua rotina dita “oficial”.
Por outro lado, ainda existe uma gama de gente que adora sentir aquele vento no rosto, sentado na cadeira confortável, ao lado da janela. Para eles, puxar a cordinha é uma arte. Confesso que sou um deles. Não que o transporte coletivo não me irrite, pelo contrário, ele me irrita e muito. Mas certas coisas que a gente vê ou escuta acabam mudando nossa opinião, pelo menos por agora…
Primeiro foi aquela garota. Ela devia estar mascando chiclete ou algo do gênero. Falava com a mãe pela janela do ônibus. Dizia que iria encontrá-la por volta das 10 da noite, perto de seu curso, do outro lado da cidade. Era linda e devia ter seus 18 ou 19 anos. Estranha essa minha mania de me apaixonar por simples atos de todo mundo…
Depois aquele menino. Parecia ser pobre e devia ter seus 10 ou 11 aniversários. Ao passar por uma loja já enfeitada para o Natal, ele vê o “Papai Noel”. E faz um pedido, sem a mínima vergonha, aquela que aparentemente eu ou você teríamos. Ele pede, com a mais árdua vontade, um velocípede. Incrível como o sonho da infância nos faz pensar tanto em nossos sonhos de adulto…
Mais incrível ainda é saber que os sonhos de adulto também nos servem como lição!! Ele devia ter suas 36 ou 37 primaveras. Entoava um lindo salmo, logo pela manhã, bem no momento em que eu entrava no “buzão”. Depois de uns 5 km rodados pelo motorista, seu sonho de ser cantor fora explicitado pra todos que estavam naquele local. Contava sua história de luta, fé e força de vontade para quem quisesse ouvir. Hoje, depois de ter feito curso na Escola de Música do Maranhão, é cantor de uma igreja evangélica e ainda sonha em comprar outros equipamentos musicais. Sonhos que podemos ter…
É por isso, exatamente por isso, que a coletividade me fascina e me aterroriza; me seduz e me corrói; me maltrata e me perdoa. Tanta gente igual a você cercada pelo silêncio, sentadas sem trocar uma palavra sequer e quase sempre com pressa. Pessoas vendendo bombons em busca de um trocado pra tocar a vida. Gente cansada que daria tudo por, ao invés de cadeiras, camas espalhadas por aquele chão de alumínio friozinho e que todo mundo pisa. Pessoas que poderiam te salvar de qualquer coisa, mas não o fazem porque simplesmente não te conhecem (ou não quiseram conhecer).
Agora, quando sair de casa, saia pensando que você pode (e deve) aprender com os sonhos dos outros. Não saia de casa pensando que você vai pegar um ônibus só pra se estressar, sujar sua roupa ou ficar com uma alergia causada por fungos (como eu fiquei), devido à sujeira de um desses carros por aí. Bem mais incrível que tudo dito incrível nesse texto é imaginar que menos de um ano indo todo dia pra escola de ônibus me fizeram alguém melhor, apesar de tudo!!
Estranho mesmo seria se eu não sonhasse coletivo! Afinal, andar de ônibus é “indie”…