domingo, 20 de outubro de 2013

A menina do supermercado

“O passado fica na gente da mesma forma
 que o açúcar de confeiteiro fica nos dedos.
Algumas pessoas conseguem se livrar dele,
mas os fatos e as coisas que as empurraram
para onde estão agora continuam ali.”

(O Circo da Noite)

Martinho da Vila é enfático quando canta “já tive mulheres de todas as cores, de várias idades, de muitos amores”. O músico descreve situações amorosas e faz um gostoso passeio romântico ao relatar diversos relacionamentos de um eu-lírico envolvido com mulheres extremamente diferentes. “Mulheres cabeça e desequilibradas, mulheres confusas, de guerra e de paz”. No meio de todas, em forma de poesia, o artista destaca aquela que era tudo o que um dia ele sonhou pra si. Na verdade, Martinho poderia muito bem estar me descrevendo nessa história. E como poderia...

De uns tempos pra cá, tenho me compreendido como um solitário acompanhado. Um típico Alfie, mas sem a sedução característica do Jude Law. Alguém que se baseia em encontros e sexo casual para medir seu nível de felicidade. Uma vida de mentiras, eu diria. Nada vergonhoso nem perigosamente doentio, uma vez que ando em dia com a compra de preservativo na farmácia do shopping próximo ao escritório. Não é que eu não me satisfaça, eu apenas não fico satisfeito.

Preocupo-me com cada mulher apaixonada que cai nas minhas garras e promessas de felicidade plena. A cada estranha conhecida que abre a porta do meu carro e adentra o meu mundo de barzinhos e apartamento na parte nobre da cidade, eu me sinto menos eu. Sinto como se minha essência tivesse se esvaído ou presa a um evento, oportunidade ou pessoa. Tive 3 relacionamentos que considero sérios, mas ainda me prendo ao segundo sempre que observo a lua na varanda desse 707.

Hoje tomada pelas curvas de mulher que o tempo a concedeu, a outrora ‘menina do supermercado’ era doce e angelical, sem perder a garra e firmeza de alguém que já havia sofrido bastante para apenas 18 anos. Minha ânsia por tentar demasiadamente prever o futuro destruiu uma das mais belas histórias que ousaram escrever. A filosofia de fé emanada por aquela garota consolidou bases fortíssimas em minha vida que nunca mais ousei mostrar pra ninguém. A liberdade invocada por suas atitudes me transformou em um ávido e verdadeiro sagitariano, aventureiro, com um pouco menos de medo. Seus beijos eram inspiração para alegrias que duravam horas e horas, que eu nunca pensei que fossem acabar. Mas acabaram.

Hoje sou um Machado mais realista do que romântico. Tentei amar de novo, mas nenhuma me sorriu feliz nos testes a que submeti cada uma delas pelos corredores de supermercado. Casada carente, solteira feliz, donzela, meretriz, nenhuma delas se assemelha àquela estranha loucura que me apareceu há 5 anos. Nossas vidas tomaram rumos diferentes, exatamente como planejávamos – mesmo querendo, os dois, que aquilo durasse pra sempre. A última vez que a vi foi em uma festa, regada a muito álcool e desilusões. A última notícia de uma rede social inconveniente relata que voltou com um antigo namorado. Nada mais justo: seguir em frente.

Infelizmente, eu não segui em frente. A cada álbum, banda, lugar, arquivo escondido nos confins do HD externo, etc, etc, etc, ela me aparece como em sonho, como em realidade palpável. Juro que tento fazer com que as coisas façam um pingo de sentido, mas elas insistem em não fazer. E vou vivendo a maneira de amor que escolhi pra mim, uma vez que aquela maneira de amar ainda me vale a pena, mesmo que eu diga e mostre que não. Já era, guria: a tua praga pegou.