sábado, 12 de março de 2011

Fim do mundo

Acordava, religiosamente, às 5 da manhã. Nem um minuto a mais ou a menos. Deixava terminar a música que ecoava do rádio, levantava da cama e escovava os dentes. Olhava para o céu, como se planejasse o que iria fazer no dia e suspirava 3 vezes, como se fosse cansaço, desejo e realização. Não tinha família. Morava só, em uma casa apertada, onde tudo era bagunçado. O único lugar do recinto em que não existia sujeira era o escritório, apelidado carinhosamente por ele de Bishop, um super-herói mutante dos X-Men.

Em Bishop tudo poderia acontecer. Histórias surgiam feito passe de mágica. Tempestades, navios de guerra, terremotos, tsunamis, paixões devastadores, glórias... Tudo era escrito, passado para o papel, carimbado e enviado. Japão, Grécia, Indonésia, Filipinas, Austrália, Costa Rica... Cada país do mundo recebia, pelo menos, 2 avisos de premonições por ano. Algumas muito estranhas, quase impossíveis de acontecer, outras muito prováveis. A margem de erro era a mínima possível.

Quase tudo o que o dono do Bishop previu tornou-se realidade. Furacão Katrina, eleição de Barack Obama nos EUA, Saddam Hussein escondido em um buraco, mineiros presos no Chile, terremoto no Haiti, tsunami no Japão. Escrevia cartas premonitórias como se não houvesse amanhã. Até o dia em que descobriu que não haveria amanhã. Era o fim do mundo, o fim de um ciclo.

Enviou cartas a todos os países, inclusive aos que iriam nascer até a chegada do fim. Enumerou medidas preventivas, sugeriu construções de emergência, delegou funções aos cidadãos. Tornou-se mundialmente conhecido. Documentários, reportagens e filmes usaram e abusaram de seu dom, provando cada vez mais sua credibilidade. Não demorou muito para que seus pais aparecessem e protagonizassem uma das cenas mais bonitas que o mundo já houvera televisionado.

Os dias se passavam. A preocupação era iminente e as pessoas apavoradas desfaziam planos, despediam-se de seus parentes e corriam para abrigos do governo, onde a proteção era, diziam, de 100%. Perguntado se iria proteger-se, o dono do Bishop disse que não. Se tivesse que acontecer, se essa fosse a vontade de um ser supremo e se ele tivesse que morrer, morreria em paz.

A hora marcada chegou. Meios de comunicação do mundo inteiro estavam apreensivos, pessoas recorriam ao suicídio na tentativa de evitar o sofrimento, outros morreram de medo. Nada aconteceu. Em casa, morreu ao receber uma carta. A primeira carta que havia escrito, há muito tempo, tanto que nem lembrava mais. Nela, algumas palavras que representavam muito bem aquele momento: “Cuidado com o fim. Nem sempre o que esperamos é o que realmente acontece.”

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