domingo, 19 de dezembro de 2010

Vida de inseto

Escrevo coagido por essas tais formigas. Não, amigos; não são formigas quaisquer. São formigas mutantes. Isso mesmo: mutantes. Digo isso porque não sei de onde elas vieram, pra onde vão e por que têm asas. E pensar que até anteontem eu nem imaginava que estaria escrevendo um texto sobre esses insetos estranhos. E pior: rodeado por um bocado deles.

Mas deixe-me explicar. Tudo começou no domingo. Um dia normal se não fosse o fato de finalmente São Pedro ter percebido que São Luís precisava de chuva. Acordei às 11, almocei e fui ler. Um conto de Ítalo Calvino datado de 1952 que falava sobre o massacre que uma jovem família sofrera ao ter convivido com formigas-argentinas durante algum tempo. Sim, elas, as formigas, que mais tarde tanto me atormentariam e até renderiam tal crônica. Lá fora, o céu ia escurecendo e logo tratei de largar o livro e ir admirar aquele tempo nublado, já tão raro por aqui.

A chuva logo veio. E com ela alguns transtornos típicos da vida moderna, como goteiras em casa e alagamentos pela cidade. O temporal diminuiu, e então percebi que havia algo de errado com a televisão. Não, não era o sinal que havia ficado ruim graças ao dilúvio. Eram as formigas. Dominavam a tela como se fossem artistas de reality show, quase um Big Brother com anteninhas - e asas. Fiquei indignado. Precisava eliminá-las. Elas perturbavam. Peguei o jornal e tratei de espantá-las.

Muito esforço pra nada. A luz da sala estava apagada e o único sinal de iluminação vinha da TV. Pronto, havia descoberto qual o alimento desses seres. Criei até uma teoria para tentar adivinhar de onde vinham as tais bichinhas: de dentro da televisão, sempre quentinha. É lógico; agora, com o inverno, elas saem em busca de algo quente e a luz, com sua energia térmica, bem que poderia ajudar. Até hoje acredito em minha singela explicação. Biólogos, me ajudem, por gentileza.

Mais tarde, fui expulso do computador porque a cada formiga morta, devido a sua insistência em grudar na tela, vinha outra se vingar da companheira. E por mais que eu a matasse, mais forte ela ficava, levantando voo logo em seguida - mutante! Só me restou apagar todas as luzes e ir dormir, na tentativa esperançosa de que aquelas indivíduas me deixassem em paz e não entrassem em meu ouvido - como fizeram as formigas-argentinas com um personagem do conto de Calvino.

Infelizmente, elas voltaram. Agora estão por toda parte. Em menor número, mas por toda parte. Ficam nos encarando, paradas, como se quisessem nos atacar ou simplesmente conversar. Contar o quanto é bom lá nos circuitos da televisão e o quanto é perigoso aqui, do lado de fora. São seres vivos, que se arriscam ao sair do quentinho de seus lares em busca de aventura. E eu me sinto como o carrasco, como a vida, sempre pronta pra cortar nossas asas e dizer pra seguirmos em frente, sem nosso conforto original. Mas a gente volta. Felizmente, a gente volta. E vamos pra toda parte. Em maior número e por toda parte.

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