domingo, 5 de setembro de 2010

Do alto de vossas cabeças

Este sou eu. Do alto de vossas cabeças, enxergando formigas e olhando o sol se pôr. A cidade cresce e a única coisa que posso fazer é crescer também, vendo as horas e os dias passarem, como se fossem nuvens brancas - grandes e vagarosas. Estou no 14º andar. Como diz aquela poesia, “a sacada é curta, o grito é inevitável”. Não pretendo acordar os vizinhos, riscar os corpos nem te telefonar. O que tenho pra dizer cabe sim nessas simplórias linhas. Basta você perceber.

Morar em apartamento é algo estranho, principalmente pra quem mora no 1º andar. Tudo dali reflete em você e no térreo. Uma rachadura no 34º, uma despedida de solteiro no andar de cima, uma reunião chata de condomínio – onde você sempre é o primeiro a ser indagado sobre algo. É uma responsabilidade tremenda. Funciona quase como ser chefe de família, com a diferença de que você do 1º andar não precisa comprar comida pro vagabundo do último.

Salvo se você não tiver medo de altura e morar no derradeiro andar, sempre existirão cabeças em cima de você. A modernidade nos trouxe isso: pessoas estão morando uma em cima das outras, justamente por causa da falta de espaço nas grandes metrópoles. O que era uma reserva ambiental, agora dá lugar ao maravilhoso "Não Sei O Quê Residence". Aquele parquinho onde você brincava com seus irmãos, hoje nada mais é do que um luxuoso condomínio onde somente desembargadores, médicos cirurgiões e políticos influentes e corruptos moram. Aquele lago foi transformado em um shopping. E com ele veio mais um apartamento, pra diminuir a distância entre o comprador e o produto.

Tudo bem. Morar em apartamento tem lá suas vantagens. Percebe-se que o ser humano, sempre maravilhado com a ideia de poder, viu-se extremamente feliz quando descobriu a possibilidade de ficar perto de Deus e ter acesso a cada passo de cada um lá embaixo. Era coisa de rico. Hoje, é coisa de todos, de quem quer ter uma casa, uma vida – mesmo que financiada em infinitas vezes por um banco do governo.

Tem a maravilha que é ver a noite lá de cima. O espetáculo começa bem cedo. O sol indo embora devagar, as luzes artificiais se acendendo lá embaixo, o céu ficando escuro, cheio de pontinhos brilhantes. É noite. E você é o espectador fiel, de camarote. Deseja pra si ter aquela vista todos os dias. E recomeça o ciclo. Você deixa de lado o fato de não poder ter animais de estimação, de evitar ouvir música alta, de se afastar da natureza e compra um apartamento. Mas tem que dar pra olhar a lua, as estrelas e aquele eclipse que ainda vai acontecer – só não se sabe quando. E esquece-se de tudo!

Quisera eu morar em um lugar assim. Mas não dá. Não quero. Não posso. Prefiro sair pelas ruas em busca da melhor estrela, da melhor lua e do melhor eclipse. E ficar em cima e embaixo de outras cabeças, só de vez em quando!

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4 comentários:

  1. Nunca morei em casa, mas também nunca morei no 14º andar. Só espero que o seu andar não seja como no 1408, que na verdade é o 13º =D

    Abraço!

    http://anpulheta.blogspot.com

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  2. muito profundo seu blog, me lista aqui no seu? Euro abraço!

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  3. Caraca, esse teu texto mexeu comigo....emocionado estou, quase em prato ao ler teu texto !!!

    Maravilhoso o texto..

    Markinhossshh !!!! xD

    Abraçoss..

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  4. Cara.. curti seu texto. depois dá uma olhada no meu blog. abraços

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