sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Cruzadas

Débora. 28 anos, advogada, viciada em sapatos e carente. Acostumada a um mundo de facilidades, teve tudo do bom e do melhor desde que se entendeu por gente. A boneca mais cara, o estojo multicolorido, a melhor escola, a melhor universidade privada do estado, etc, etc, etc. Frequentava baladas da elite ludovicense à procura de um cara que a fizesse trocar o trabalho no escritório por uma viagem de lua de mel na Argentina. Sonhava com um advogado másculo e competente, alguém pra dividir seus anseios e seus projetos jurídicos.

Ele. 25 anos, desempregado, viciado em crack e morador de rua. Acostumado à falta de oportunidades, teve todas as portas fechadas desde que aceitou fumar a droga oferecida por um vizinho. Viu a mãe desesperada, o pai atropelado, o irmão mais novo também viciado, a polícia truculenta, etc, etc, etc. Frequentava as ruas, avenidas e rotatórias à procura de comida e companhia, na intenção de esquecer o vício por alguns minutos. Sonhava com alguns trocados a mais naquela intensa tarefa de limpar para-brisas.

Não, eles não se apaixonaram. Débora abriu a porta do carro. Ele se espantou com a luz do sol. Débora deu a partida, ele guardou as caixas de papelão que lhe serviam de coberta. Débora, contente, ligava o rádio e ouvia Selena Gomez no programa da manhã. Ele queria um café da manhã. Débora parou no sinal vermelho, ele entrou na padaria. Débora fazia planos mentais para o dia, ele perguntava quanto custava o pão com manteiga. Débora infringia a lei atendendo o celular enquanto dirigia. Ele era humilhado dizendo que não poderia pagar aquela refeição. Débora distraída, ele rouba comida e sai correndo pela avenida. Débora o atropela e ele vai parar a uns 300 metros de distância. Débora, apavorada. Ele, morto!

Por um instante, aquelas vidas se encontraram. Poderiam ter vivido um grande amor, desses que vemos diariamente em todos os lugares. Débora se tornaria mais humana, ele passaria a ter perspectiva na vida, Débora sofreria um bocado tentando livrá-lo do vício, ele seria pai de uma criança linda e educada e você me diz que isso é utopia. Talvez. Amar é a mais bela utopia que existe. Acreditar no amor, mesmo quando ele tem todas as chances de dar errado, é igualmente louvável. Tentativa, meu caro. Nada de atropelar pessoas e sentimentos.

Débora quis saber o nome dele. Não havia nome. Desconhecido, conhecido e chamado de ‘Ele’. Cochichos diziam ‘menos um ladrão’. Bocas sussurravam ‘era vagabundo, vivia roubando pela redondeza’. Débora se sentiu aliviada. Não seria presa, não teria a vida profissional manchada e apenas prestaria depoimento na delegacia mais próxima. Vida besta que segue. Afinal, ‘menos um vagabundo’. Afinal, menos uma história de amor e mais uma de egoísmo. Onde nosso próprio umbigo vale mais do que massa encefálica espalhada pelo chão da avenida.