sábado, 19 de março de 2011

Com gosto de nostalgia

Quem nunca se viu olhando para o passado, relembrando velhos e bons momentos como se estivessem acontecendo ali, naquele instante? Fotos antigas, músicas de outrora ou simplesmente uma lembrança aleatória sempre são capazes de nos transportar para lugares mágicos, longínquos e inesquecíveis. Coisas boas, ruins, desejos, tudo isso nos fez chegar até aqui cheios de garra e força de vontade para enfrentar o que der e vier. É uma nostalgia gostosa, algo bom, mesmo que tenha sido ruim. Por isso, quero compartilhar algumas com vocês.

Quando era criança, sonhava em ficar acordado até mais tarde, ouvir o barulho da noite, o som das corujas, o mistério das estrelas. Saber o que tocava naquele horário no rádio, o que passava na televisão, o que faziam os mais velhos. Ouvia comentários sobre “baladas inesquecíveis” e sempre tive curiosidade em saber o que tornava algo da noite tão inolvidável assim. A liberdade daquelas pessoas mais velhas me dava inveja, eu queria ser como elas, queria crescer e descobrir determinados prazeres que só gente grande tinha. Eis minha primeira festa.

Inebriante, sem nenhum pingo de álcool na boca. A mãe por perto e uma turma de escola me apresentando ao êxtase universal de todo final de semana. Música alta, adolescentes, noite, ar livre. 12 anos. Nunca vou me esquecer daquela paisagem, daquele vento soprando perto da entrada da festa. Não fazia muita questão de ser notado, só queria notar. A curiosidade deu lugar ao prazer e à vontade de repetir aquilo sempre que desse. Dançar mesmo sem saber, ver aquelas luzes psicodélicas mesmo sem entender quais efeitos da física as faziam piscar tanto, liberdade.

7 anos se passaram e muita coisa mudou, exceto o fato de que continuo me divertindo à vera sempre que dá. Descobri que o inesquecível que os adultos falavam está no momento, na companhia, no seu espírito. Não dá pra lembrar-se de algo como bom se você não estiver se importando com aquilo de verdade. A noite é uma criança e eu queria estar lá, preso a ela, envolvido. Nem sempre deu certo, é verdade. Por vezes, me decepcionei. Mas eu estava lá, consciente de que realmente queria estar lá. E agradeci, sempre que pude, aos que me proporcionaram momentos conscientes como esses.

A fórmula é simples e universal: noite, amigos e um lugar bacana. Eu, que sempre prezei poucas e boas amizades, fico feliz em saber que essas poucas e boas pessoas também sentem o mesmo e também se divertem quando estou por perto. Elas fazem falta quando não estão e deixam saudade no final da festa. Mas estão aqui, de alguma maneira. Pra que daqui a mais 7 anos, eu possa olhar pra trás e lembrar mais um momento inesquecível perto de gente tão legal e especial. Gente que só me fez mudar e nunca mais mudou de mim...

A lua lá fora, no momento em que escrevia esse texto.

sábado, 12 de março de 2011

Fim do mundo

Acordava, religiosamente, às 5 da manhã. Nem um minuto a mais ou a menos. Deixava terminar a música que ecoava do rádio, levantava da cama e escovava os dentes. Olhava para o céu, como se planejasse o que iria fazer no dia e suspirava 3 vezes, como se fosse cansaço, desejo e realização. Não tinha família. Morava só, em uma casa apertada, onde tudo era bagunçado. O único lugar do recinto em que não existia sujeira era o escritório, apelidado carinhosamente por ele de Bishop, um super-herói mutante dos X-Men.

Em Bishop tudo poderia acontecer. Histórias surgiam feito passe de mágica. Tempestades, navios de guerra, terremotos, tsunamis, paixões devastadores, glórias... Tudo era escrito, passado para o papel, carimbado e enviado. Japão, Grécia, Indonésia, Filipinas, Austrália, Costa Rica... Cada país do mundo recebia, pelo menos, 2 avisos de premonições por ano. Algumas muito estranhas, quase impossíveis de acontecer, outras muito prováveis. A margem de erro era a mínima possível.

Quase tudo o que o dono do Bishop previu tornou-se realidade. Furacão Katrina, eleição de Barack Obama nos EUA, Saddam Hussein escondido em um buraco, mineiros presos no Chile, terremoto no Haiti, tsunami no Japão. Escrevia cartas premonitórias como se não houvesse amanhã. Até o dia em que descobriu que não haveria amanhã. Era o fim do mundo, o fim de um ciclo.

Enviou cartas a todos os países, inclusive aos que iriam nascer até a chegada do fim. Enumerou medidas preventivas, sugeriu construções de emergência, delegou funções aos cidadãos. Tornou-se mundialmente conhecido. Documentários, reportagens e filmes usaram e abusaram de seu dom, provando cada vez mais sua credibilidade. Não demorou muito para que seus pais aparecessem e protagonizassem uma das cenas mais bonitas que o mundo já houvera televisionado.

Os dias se passavam. A preocupação era iminente e as pessoas apavoradas desfaziam planos, despediam-se de seus parentes e corriam para abrigos do governo, onde a proteção era, diziam, de 100%. Perguntado se iria proteger-se, o dono do Bishop disse que não. Se tivesse que acontecer, se essa fosse a vontade de um ser supremo e se ele tivesse que morrer, morreria em paz.

A hora marcada chegou. Meios de comunicação do mundo inteiro estavam apreensivos, pessoas recorriam ao suicídio na tentativa de evitar o sofrimento, outros morreram de medo. Nada aconteceu. Em casa, morreu ao receber uma carta. A primeira carta que havia escrito, há muito tempo, tanto que nem lembrava mais. Nela, algumas palavras que representavam muito bem aquele momento: “Cuidado com o fim. Nem sempre o que esperamos é o que realmente acontece.”